Churrascaria faz obra sem autorização dentro de área do Parque da Água Branca, que é tombado
02/05/2025
(Foto: Reprodução) Empresa pediu liberação para evento temporário, sem necessidade de obras, no antigo estábulo da PM, e fiscalização municipal negou autorização. Porém, montagem do evento não foi interrompida e há registro de reforma. Empresa e concessionária negam irregularidades. Conselheira denuncia obras ilegais de churrascaria dentro do Parque da Água Branca
Uma obra para a instalação de uma churrascaria dentro do Parque da Água Branca, na Zona Oeste de São Paulo, está sendo realizada sem autorização dos órgãos responsáveis pela preservação do patrimônio histórico. O parque é tombado pelo Conpresp (municipal) e pelo Condephaat (estadual), e qualquer intervenção precisa de aval prévio.
A reforma, feita no antigo estábulo de cavalos da Polícia Militar, foi iniciada pela empresa Fazenda Churrascada, com aval da concessionária Reserva Parques, que administra o local desde 2022. O g1 esteve no local no último sábado (26), e funcionários do futuro restaurante afirmaram que a unidade deve funcionar por seis meses, em caráter temporário.
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A parte interna do prédio está passando por obras, e o acesso do g1 ao espaço foi vetado. Entretanto, foi possível ver a presença de britadeiras, tijolos e cimento, além da instalação de churrasqueira, mesas e uma máquina de chopp. Uma conselheira do parque conseguiu entrar no espaço e constatou diversas modificações (veja vídeo acima).
Obras realizadas na área da antiga área de estábulos do Parque da Água Branca, na Zona Oeste, sem autorização do Conpresp.
Montagem/g1/Rodrigo Rodrigues
O galpão ao lado, onde funcionava a feira de orgânicos, foi desativado para dar lugar a um playground que, segundo os funcionários, será destinado para os clientes da churrascaria. Os trabalhadores não souberam dizer se outros frequentadores do parque poderão usar o playground.
A irregularidade foi denunciada na 820ª Reunião Ordinária do Conpresp ocorrida na segunda-feira (28) pela conselheira Danielle Dias. Ela pediu ao Departamento de Proteção Histórica (DPH) a paralisação das obras e da instalação do evento até a apresentação da documentação necessária sobre as intervenções (entenda mais abaixo).
Chegada de caminhão com churrasqueira para o restaurante que vai ficar dentro do prédio do Parque da Água Branca, que passa por obras do lado de fora da antiga cocheira.
Reprodução
"Está havendo ilegalidade. O processo foi para o DPH, que emitiu um comunique-se para complementação do material. Mas até o momento isso não foi atendido", disse a conselheira na reunião.
A concessionária Reserva Parques e a churrascaria Fazenda Churrascada negam irregularidades e dizem que estão seguindo os ritos dos órgãos de preservação (veja mais abaixo).
Impacto na vizinhança
A Associação de Moradores e Amigos de Perdizes (Amora Perdizes), onde fica o parque, diz que tanto os vizinhos do entorno quanto os moradores do bairro foram pegos de surpresa com a obra.
“Os vizinhos do prédio começaram a notar uma movimentação de entrada e saída de caminhões. Como o parque não tem número, as empresas de material de construção batiam lá pra entregar o material da obra, e o zelador começou a achar estranho. Eles foram investigar melhor e viram que tanto a área externa quanto a interna do estábulo estavam em obra sem autorização dos órgãos de proteção. Isso é absolutamente fora da lei”, comentou a entidade.
“É uma intervenção que está sendo feita sem consulta ao conselho gestor e sem maiores explicações para a comunidade”, completou.
Denúncia da associação de bairro de Perdizes sobre as intervenções no Parque da Água Branca.
Reprodução/Instagram
O advogado Pedro Grzywacz é vizinho do parque e representa os moradores do Edifício Ana Pimentel, que fica justamente ao lado da entrada em que a churrascaria está sendo construída. Eles reclamam do barulho de entrada e saída de veículos pesados, que se estende até o fim das noites.
“Invariavelmente é 23h, 23h30 e ainda tem quebra-quebra e entra e sai de caminhões carregando e descarregando coisas. Nós estranhamos uma obra ser feita a toque de caixa e fomos investigar. Descobrimos que está completamente irregular. A empresa dona da churrascaria deu entrada no pedido de evento temporário, quando na verdade era uma reforma estrutural para adaptação no prédio de cocheira de cavalos para restaurante”, disse Pedro Grzywacz.
Documento cita evento temporário
De acordo com os documentos públicos do processo, a Fazenda Churrascada deu entrada em janeiro no Conpresp para pedir autorização para participar apenas de um evento temporário para 426 lugares, onde seriam instalados mesas e cadeiras e algumas tendas para a realização do evento “Hípica Churrascada”.
O memorial descritivo do pedido não fala em nenhuma intervenção dentro ou fora do estábulo, apenas montagem e desmontagem de equipamentos e mobiliário restaurante, incluindo uma tenda do lado de fora.
Porém, uma vistoria do DPH feita em fevereiro identificou o uso de materiais típicos de obras estruturais, como cimento, tijolos e britadeiras. O relatório concluiu que o local não abriga apenas uma montagem provisória, mas sim uma reforma irregular. E recomendou que o Conpresp não desse autorização para a realização do evento.
A reforma, no entanto, continuou. A direção do DPH afirmou ser “quase impossível” instalar uma churrascaria no local sem obras.
“Foi constatado em vistoria realizada no dia 24 de fevereiro de 2025 que o objeto do processo em questão não se caracteriza somente como montagem e desmontagem de estruturas para instalações temporárias e mobiliário, como apresentado no processo; mas sim como uma obra, como se pode verificar nas fotos o que fora encontrado ‘in loco’. Assim sendo, do ponto de vista deste DPH/CONPRESP, a situação encontra-se irregular”, disse o órgão.
Relatório de fiscalização do DHP aponta obras fora do escopo do pedido feito pela churrascaria que vai ocupar o Parque da Água Branca, na Zona Oeste de São Paulo.
Reprodução
Numa reunião do Conpresp de 24 de março, os conselheiros negaram a autorização para a realização do evento. Um representante da churrascaria e outra da empresa Reserva Parques que participavam do encontro afirmaram que era um equívoco do fiscal dizer que o material de construção que estava dentro do estábulo era para reforma do local.
Segundo eles, o espaço onde está sendo montada a churrascaria era apenas usado como depósito de materiais de construção para a reforma de outros prédios do parque que sofreram problemas com as chuvas de janeiro deste ano (veja vídeo abaixo).
Conpresp nega autorização para instalação de churrascaria dentro do Parque da Água Branca
A conselheira Regina Lima, do conselho consultivo do parque, afirmou, no entanto, que a empresa admitiu em uma reunião a intenção de manter o restaurante com eventos temporários sucessivos até a regularização definitiva da atividade.
Além disso, em 9 de abril, Lima disse que a Reserva Parques comunicou os quatro conselheiros da sociedade civil que formam o colegiado que haveria a instalação da churrascaria, mas sem apresentação de autorizações e estudos ambientais.
"Eles disseram na reunião que haveria um restaurante fixo, que seria instalado por meio de evento temporário. E que já havia todas as autorizações dos órgãos competentes. A intenção deles era ir renovando esses eventos temporários até conseguir regularizar o restaurante", contou.
"Questionei o motivo de não haver estudo de impacto ambiental e laudo de descaracterização do imóvel tombado, e eles afirmaram na reunião que não havia necessidade desses estudos para eventos temporários", ressalta.
E completa: "Nos preocupa muito esses 'jeitinhos' ilegais que eles têm arrumado o tempo todo para descaracterizar o parque tombado também culturalmente. Preocupa ainda mais a instalação de uma churrascaria emitindo fumaça dentro de um parque que tem diversas espécies de aves, quatro tipos diferentes famílias de macacos e área de preservação ambiental, sem nenhuma avaliação técnica".
Voto do Conpresp decidiu em final de março não dar autorização para que o evento da churrascaria aconteça no Parque da Água Branca até que novos documentos sejam apresentados.
Reprodução
Projeto mostra intervenções
A Fazenda Churrascada chegou a divulgar para a imprensa parte do projeto, que tinha previsão de abertura para março, o que não aconteceu.
Nele é possível ver que há intervenções no espaço, como mudança do piso original da parte de fora e criação de balcões que não existiam originalmente naquela área do Parque da Água Branca (veja foto abaixo).
Projeto da churrascaria dentro do Parque da Água Branca, na Zona Oeste de São Paulo.
Reprodução/Veja São Paulo
O que dizem a concessionária e a empresa
A Reserva Parques nega irregularidades e afirma, em nota, que as intervenções no antigo estábulo fazem parte do plano de manutenção aprovado pelo Conpresp. A empresa disse que a churrascaria é uma instalação temporária, prevista para durar seis meses, e reversível, sem obras permanentes.
“Desde a aprovação do Plano Geral de Manutenção e Conservação do Parque da Água Branca, no primeiro semestre de 2024, a concessionária vem realizando um amplo trabalho de manutenção das estruturas históricas, incluindo telhados, drenagem, redes hidráulicas, vias internas e edificações”, afirmou a empresa.
“Após a tempestade de janeiro de 2025, foram identificadas patologias agravadas no sistema de drenagem e na estrutura dos prédios, o que exigiu a realização de intervenções emergenciais para garantir a segurança e a preservação do patrimônio, sempre respeitando as diretrizes de conservação”, completou.
"É importante ressaltar que as intervenções de manutenção e conservação realizadas em diversas áreas do parque não se confundem com o pedido constante dos autos nº 6025.2025/0001093-7, que trata exclusivamente da solicitação para realização de evento, sem relação direta com as obras de manutenção conduzidas pela Concessionária. Informe já esclarecido, a Churrascada, representada pela FC COMÉRCIO DE ALIMENTOS E BEBIDAS S/A, assim como outros eventos temporários realizados no Parque da Água Branca, deve submeter seus pedidos de autorização aos órgãos competentes. É importante destacar que a solicitação de evento temporário se refere exclusivamente à realização de atividades no local, sem alteração estrutural da edificação", afirmou a concessionária.
A Fazenda Churrascada, por sua vez, informou apenas que está alinhada com a administração do parque e não comentou a continuidade da obra mesmo após a negativa do Conpresp.
O que dizem os órgãos estaduais
O g1 procurou Agência Reguladora de Serviços Públicos do Estado de São Paulo (Arsesp), que é o órgão que fiscaliza os contratos de concessão dos parques. Segundo a agência, houve um comunicado da Secretaria de Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística (Semil) sobre "supostas obras sendo realizadas no parque sem anuência dos órgãos de preservação e explicações foram pedidas à Reserva Parques".
“A Agência já oficializou a concessionária responsável, solicitando esclarecimentos imediatos sobre o caso”, afirmou a Arsesp.
Já a Semil afirmou que conforme estabelecido no contrato de concessão, “a concessionária tem a liberdade de fazer uso dos espaços e instalações do parque para desenvolver atividades relacionadas à gestão e exploração comercial, desde que respeitadas todas as leis vigentes, incluindo as normativas específicas para bens tombados”.
“Isso inclui a necessidade de obter aprovações junto aos órgãos competentes. A Secretaria e a Arsesp, como responsáveis pela fiscalização dos contratos de concessão, irão apurar os fatos relatados sobre possíveis irregularidades. Caso seja constatado descumprimento das autorizações ou do contrato de concessão, serão tomadas as medidas cabíveis”, disse a pasta.
O g1 procurou a Prefeitura de São Paulo para saber se haverá alguma nova fiscalização do Conpresp ou DPH no local, mas a gestão Ricardo Nunes (MDB) não se pronunciou até a última atualização desta reportagem.
Críticas à nova administração
A Associação de Moradores de Perdizes também criticou a descaracterização do parque após a concessão. Segundo a entidade, espaços públicos tradicionais foram fechados, enquanto projetos comerciais, como a churrascaria e eventos como a Casa Cor, avançam.
“Desde quando a empresa privada assumiu, o parque perdeu o caráter público para dar espaço a eventos e espaços privados. A maioria das coisas públicas como o Aquário, o Museu Geológico, os cursos de corte e costura para idosos e aposentados. Nada disso existe mais. Tudo fechado. Mas eventos como a Casa Cor e a churrascaria, por exemplo, estão a todo vapor. Nada disso está sendo revertido para melhorias e atratividade para a atratividade aos frequentadores do parque. Alguns banheiros estão em estado deplorável”, disse a direção da entidade.
Prédios sem manutenção no Parque da Água Branca e isolados com fitas e cones, quase três depois da concessão à iniciativa privada.
Montagem/g1/Rodrigo Rodrigues
“A Feira de Orgânicos que existem há décadas foi desalojada sem muitas explicações. A desculpa é que o galpão precisava de reforma. Depois da reforma feita, eles decidiram não voltar os agricultores pra lá e agora cederam para a churrascaria", observa a conselheira Regina Lima.
"Os animais que viviam soltos, como pavões e patos, todos foram engaiolados em viveiros conjuntos, sem separação de espécie, com desculpa da gripe aviária. A ameaça de gripe aviária passou e a eles continuam enjaulados. Era a principal atração do parque para as crianças. Ou seja, está em curso uma descaracterização cultural da alma do parque que tem afugentado os frequentadores”, completa.
Em março do ano passado, o g1 havia mostrado que o Parque da Água Branca não tinha recebido quase nenhuma melhoria por parte da Reserva Parques um ano e meio depois da concessão.
Na época, havia brinquedos quebrados, vidros também quebrados, além de banheiros em condições ruins e prédios históricos em ruínas.
Um ano depois, os brinquedos infantis foram reformados, a entrada do parque foi pintada e passou por reparos e o parque como um todo está mais limpo.
Porém, a situação dos banheiros principais piorou e muitos prédios dentro do parque continuam fechados e com fitas de isolamento em volta, em razão do perigo para os usuários, já que não foram restaurados ou reformados.
Situação dos banheiros principais do Parque da Água Branca, em registro feito no dia 26 de abril de 2025.
Rodrigo Rodrigues/g1
Dois desses prédios estão sendo restaurados pela Casa Cor que usará o espaço entre os dias 27 de maio e 3 de agosto.
Segundo a Reserva Parques, os investimentos no parque estão seguindo o cronograma apresentado no Plano de Intervenção e tem prazo até 2028 para serem totalmente reformados.
“Os banheiros mencionados estão contemplados no Plano de Intervenções da Concessionária, com prazo contratual para reforma até setembro de 2028, conforme estabelecido no contrato de concessão firmado com o Poder Concedente. Entretanto, diante do estado de conservação atual, a Concessionária já iniciou o planejamento para antecipar essas obras, assim como já realizou a revitalização de outros sanitários no Parque”, disse.
“Nosso compromisso é promover melhorias contínuas na infraestrutura, priorizando o conforto e a segurança dos visitantes”, declarou a empresa.
A Secretaria de Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística confirmou que a empresa está dentro do prazo para cumprir as melhorias.
Feira de produtos orgânicos que funcionava desde 1991 dentro do Parque da Água Branca foi desalojada para dar lugar a um playground.
Montagem/g1/Reprodução/TV Globo/Rodrigo Rodrigues
Sobre a antiga feira de produtos orgânicos que funcionava dentro do parque desde 1991 e foi desalojada do galpão para dar lugar ao playground da churrascaria, a Reserva Parques disse que ela será transferida para outro espaço do parque que ainda está sendo projetado.
Playground montado dentro do Parque da Água Branca pela Reserva Parques, no local onde era a feira de produtos orgânicos que funcionava desde 1991.
Rodrigo Rodrigues/g1