Pacientes amarrados, alimentos vencidos e banhos de madrugada: funcionários relatam práticas de lar de idosos interditado em SP
06/07/2025
(Foto: Reprodução) Justiça cassou registro da instituição e condenou responsáveis a pagarem R$ 500 mil por danos morais coletivos. Defesa alega ausência de provas e diz que irá recorrer da decisão. Quarto de lar de idosos interditado em Itirapuã, SP
Ministério Público
Funcionários da instituição de longa permanência para idosos Lar São Francisco de Assis Antônio Batista de Lima, em Itirapuã (SP), relataram uma série de irregularidades no local. Os relatos embasaram a decisão da Justiça que interditou e cassou o registro da instituição, além de condenar os dois responsáveis ao pagamento de R$ 500 mil a título de danos morais coletivos. Cabe recurso.
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Em um dos depoimentos, uma funcionária afirma que, por conta da pouca quantidade de profissionais no espaço, os pacientes eram amarrados com um lençol, inclusive pela cabeça, para que outros recebessem os cuidados necessários.
"Em situações em que não havia funcionários suficientes para supervisionar todos os residentes, era comum amarrar os idosos com lençóis nas cadeiras para evitar quedas. Essa prática era adotada como medida de proteção, especialmente quando o idoso apresentava risco de se levantar sozinho. Em alguns casos, a cabeça do idoso também era amarrada, principalmente quando havia risco de ele se inclinar ou se machucar."
Já um outro relato cita falta de alimentos adequados para consumo dos idosos, sendo alguns deles estragados ou fora da validade.
"Em algumas situações, era orientada a lavar a carne com vinagre ou limão para disfarçar o cheiro ruim. Disse que não chegou a servir pois a carne não tinha condições de ser servida. Também mencionou que não tinha autonomia para descartar carnes estragadas, mesmo quando estavam visivelmente impróprias. Sobre os alimentos vencidos e faltas, o feijão era vencido e com carunchos", diz o juiz na decisão.
Alimentos impróprios para consumo eram servidos aos idosos em lar de Itirapuã
Ministério Público
Segundo os depoimentos, os idosos também eram submetidos a banhos coletivos de madrugada, mesmo nos dias mais frios.
"Sobre os banhos na madrugada, eram iniciados por volta das 4h30 da manhã, especialmente nos residentes que apresentavam necessidades específicas, como evacuação ou urina. Muitas vezes, não havia materiais de higiene adequados, como toalhinhas, o que nos levava a optar pelo banho completo. Às vezes, acordava o idoso para troca de fralda e percebia que havia evacuado, então tinha que dar banho, independente do horário. Mesmo em dias frios, os banhos eram realizados."
Irregularidades, interdição e condenação
A decisão é do dia 23 de junho e atende ação civil pública do Ministério Público, que apontou, pelo menos, cinco pontos de irregularidade que já tinham sido identificados em 2023. À época, o MP deu 180 dias à prefeitura para readequação, o que não foi feito.
Entre os pontos levados em consideração pelo juiz Daniel Diego Carrijo para a interdição, estão:
Banhos coletivos na madrugada, inclusive em período de baixas temperaturas
Condições insatisfatórias de limpeza e organização
Falta de funcionários e falhas na elaboração dos Planos Individuais de Atendimento
Alimentos com prazos de validade vencidos e carne podre servidos aos idosos
Na sentença, Carrijo ressaltou que as provas demonstram que as irregularidades não são falhas pontuais, mas sim um padrão sistemático de negligência e maus-tratos, que caracteriza violação massiva aos direitos dos idosos.
"A situação retratada nos autos evidencia o completo descumprimento dos deveres legais da instituição requerida, configurando responsabilidade civil objetiva pelos danos causados aos residentes", diz.
Ao g1, a defesa de Dilmo Juliano Alves Teodoro e Camila Oliveira Barato de Melo, responsáveis pela instituição, lamentou a decisão por considerar ausência de provas no processo e citou o relato positivo de testemunhas sobre o local.
Além disso, garantiu que o exame médico nos ocupantes indicou "perfeita saúde". Por fim, afirmou que irá recorrer da medida em instâncias superiores.
A reportagem também procurou a Prefeitura de Itirapuã, mas não obteve retorno até a última atualização desta reportagem.
Porta quebrada em lar de idosos de Itirapuã
Ministério Público
Lar já tinha sido fiscalizado anteriormente
Em junho de 2023, o Ministério Público já tinha recomendado a regularização de medidas para que o Lar São Francisco continuasse funcionando. Os diretores da instituição chegaram a ser afastados por liminar.
Uma avaliação feita pelo Núcleo de Assessoria Técnica Psicossocial (NAT) de Franca (SP) à época, pedia a necessidade imediata de reavaliação das rotinas de banhos coletivos, além de garantias de higiene dos idosos e dos espaços por eles ocupados.
O MP deu o prazo de 180 dias para as adequações, mas não houve mudança. Segundo a denúncia, durante uma visita feita pelo promotor do caso ao local, foi constatado que idosos estavam comendo mangas doadas por terceiros para terem o que comer. Uma das idosas, inclusive, chegou a esconder as frutas para não passar fome.
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